Enegrecendo a Michaelis: um balanço do ano de 2021
Formado em abril de 2021 por quatro mães que se encontraram nas reuniões do Conselho de Famílias, o Grupo Michaelis Antirracista nasceu com a intenção de trazer para a escola o debate sobre relações étnico-raciais, problematizando o racismo que, de tão naturalizado, fica ao nosso lado sem nos darmos conta. Nos meses seguintes o grupo foi agregando outras mães, pais, professoras, funcionárias… e também histórias de vida, experiências de dores, falas de empoderamento e poesia.
Uma das primeiras iniciativas do grupo foi organizar e compartilhar com o corpo docente material sobre a temática das relações étnico-raciais, assim, num drive foram organizados contos, artigos, livros, dissertações e teses. Paralelamente, alguns integrantes foram buscar pessoas de outras escolas e iniciativas waldorf que tinham implementado políticas de ação afirmativa para se inteirar sobre esse processo.
Uma das mães da escola a se integrar ao grupo foi Keyna Eleison, curadora do MAM, filósofa e pesquisadora negra que, no dia 12 de agosto, participou da Reunião Geral Pedagógica, conversando com o corpo docente sobre os efeitos do racismo.
Fortalecendo esse movimento, o corpo docente tomou a iniciativa de reunir toda a comunidade escolar em torno da temática étnico-racial, convidando a atriz e poetisa Elisa Lucinda que, no Encontro de Famílias do dia 04 de setembro, trouxe o poder da palavra.
No mesmo mês de agosto, com o apoio do Grupo Michaelis Antirracista, a Escola Waldorf Michaelis realizou uma pesquisa junto aos profissionais e às famílias, buscando mapear o perfil étnico-racial da comunidade **1.
Esta ação teve como objetivo responder a uma consulta que havia sido feita pela Federação das Escolas Waldorf do Brasil (FEWB) que, além desse dado, solicitou informações também sobre: 1) o desenvolvimento de trabalho de sensibilização voltado à temática étnico-racial junto à comunidade escolar; 2) a existência de políticas para inclusão e acesso de crianças pretas, pardas e indígenas e 3) a aplicação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que estabelecem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas disciplinas que integram a grade curricular.
Em setembro, foi iniciada outra importante iniciativa do grupo junto às famílias: o Ciclo de Palestras Antirracismo. Iniciado em 17 de setembro, com a potente palestra “Sawabona Shikoba: roda de conversa afroperspectivada nas escolas”, conduzida por Jussara Alves **2, doutoranda e mestra em Educação com Especialização em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e Educação para as Relações Étnico-raciais pela UFJF, com aperfeiçoamento em Relações Raciais pela UFF. Além disso, Jussara é supervisora pedagógica e professora da rede pública, atuando na formação docente. A comunidade escolar presente demonstrou grande sensibilização com sua abordagem e desejo de seguir em diálogo.
No mês seguinte, no dia 19 de outubro, seis professoras e professores do ensino fundamental participaram de uma Oficina de Mancala, uma modalidade de jogo matemático originário de Gana. A oficina foi ministrada por Gabriela Pérola e Jeferson dos Santos Todão, tendo cinco inscrições sido doadas pelo grupo Michaelis Antirracista.
Dando continuidade às ações, no dia 27 de outubro foi realizada uma Roda de Escuta e Afetos, com a participação de membros das famílias e do corpo docente da escola. Foram convidados aqueles que se auto-identificaram como “pretos” no levantamento étnico-racial realizado na comunidade. Neste encontro foram compartilhadas experiências e memórias, tomando a infância como ponto de partida. Foi um momento muito rico de troca, escuta e conexão, que suscitou importantes reflexões sobre o racismo e seus efeitos nas pessoas e no mundo.
Novembro chegou, trazendo a semana da Consciência Negra e a potência da pergunta “Raízes do racismo na educação: o que a Michaelis tem a ver com isso?” **3. Assim, com esse título, em 25 de novembro, foi realizada a palestra da pedagoga Geisa Ferreira. Ela que é mestre em Educação pela UNIRIO, fundadora do Coletivo de educação Casa Escola e integrante da equipe pedagógica da Escola Jangada, também realiza oficinas e rodas de conversa sobre a temática das relações étnico-raciais, abordando a lei 10.639/03, epistemologias negras e práticas educativas inspiradas nos valores civilizatórios afro-brasileiros da pedagoga Azilda Loretto da Trindade.
Para a divulgação da palestra a Comissão Michaelis Antirracista elaborou um vídeo de cerca de 1 minuto, reunindo frases que foram ditas por crianças da escola, como: “Por que quase não têm crianças negras na escola?”, “Mãe, as pessoas que moram nas ruas… não têm brancos?”, “Quero meu cabelo para baixo!”, “Já reparou que as pessoas pretas são mais pobrinhas? Por quê? Que bom que não somos pretos, né?”, “Mãe, por que você fala que é preta, se sua cor é marrom? E eu não sou branca, né? Branca é a parede…”que apontam para como essa discussão as atinge cotidianamente.
Nos últimos meses a escola também iniciou um diálogo com Itamar Silva, uma importante liderança na comunidade de Santa Marta, vizinha da escola no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Itamar coordena o Grupo Eco e participou de uma reunião com a Comissão de Práticas Econômicas e com o Grupo de Projetos. Este grupo foi criado em agosto desse ano e conta com integrantes de diferentes esferas da escola (famílias, administrativo/APAM e corpo docente), além de ter ganhado o reforço de uma captadora de recursos, que foi contratada em novembro pela escola.
A intenção de estreitar os laços da escola com comunidades do entorno ganhou um impulso significativo em novembro. Mais precisamente no dia 04, nove integrantes do corpo docente foram ao Santa Marta, onde visitaram, por sugestão de Itamar Silva, a creche Casa Marta, o Centro Esportivo e a quadra da Escola de Samba Mocidade Unida do Santa Marta, estabelecendo contato com outras lideranças locais.
Em sintonia com o movimento que tem sido impulsionado na escola, o primeiro projeto elaborado pelo grupo tem como objetivo viabilizar a entrada de 8 crianças pretas, pardas e indígenas provenientes de comunidades do entorno da escola. Além disso, o projeto prevê também 1) uma consultoria em educação para as relações étnico-raciais, tanto para o corpo docente como para as famílias; 2) um curso de formação em brasilidades para o corpo docente; 3) contratação de uma assistente social; 4) apoio financeiro para viabilizar a permanência material das crianças, dentre outras ações. O projeto foi submetido no dia 07 de dezembro ao Instituto Mahle e, se aprovado, terá início no ano que vem. Independentemente desse resultado, a comunidade escolar assumiu compromisso em assembleia, de concretizar a entrada de 2 crianças, na educação infantil, no início do ano letivo de 2022. Vale ressaltar que o processo manifestou-se de forma fluida, com a procura espontânea da escola, por uma família dentro do perfil delineado, para nutrir seus dois filhos nos preceitos da pedagogia Waldorf. Estamos radiantes com a concretude dessa conquista!
Após todas essas ações, encontros, reflexões e debates, chegamos ao final do ano de 2021 comemorando a gradativa sensibilização e engajamento da comunidade escolar nesse movimento. O Grupo Michaelis Antirracista, que iniciou em abril com apenas 4 integrantes, hoje conta com 20 membros. Entendemos que é preciso coragem, responsabilidade e afeto para aprofundar este processo, para que uma mudança efetiva se consolide. O caminho é longo, mas é potente dentro de nós, sua urgência. Em 2022, continuaremos unindo forças e nos dedicando para que a Escola Waldorf Michaelis seja cada vez mais diversa e plural.
**1 – Link para o relatório, que foi elaborado pela comissão e divulgado no Informativo da escola: https://michaelis.blog.br/perfil-etnico-racial-da-comunidade-da-escola-waldorf-michaelis-rj-2021/
**2 – Link para a gravação do evento: https://us02web.zoom.us/rec/share/3zIilXgnzdWrNLXjLCfEXOgdsR3_x1YBPBMd-A2tdb7-bqoXs3VzUqOMpfWsDNGD.LIUEpdT22VeHVP_9
**3 – Link para a gravação do evento: https://bit.ly/GravaçãoRaizesdoRacismo
Senha de acesso: #123Denegrir.